segunda-feira, 5 de julho de 2010

Uma casa que é um barato

Carol Scolforo



Há nove anos, a artista plástica Isabelle Ribot, 48, fez as malas, na França, para cruzar o Atlântico, com os quatro filhos entrando na adolescência. Era um sonho antigo do marido, brasileiro, voltar ao país de origem com a família. Por fotos da internet mesmo escolheram a ampla casa 270 m², em uma rua tranquila do Jardim Paulista, em São Paulo.

Assim, encararam a aventura, trazendo da França os móveis da família – alguns herdados da mãe de Isabelle, originais dos anos 1950. Apenas isso e a ousadia do recomeço. “Não foi nada fácil. País, cultura, idioma e casa: era tudo muito diferente”, lembra a artista.

Ao lado, o quarto da artista: a cabeceira é uma de suas (belíssimas) telas. Melhor aproveitamento, impossível 

Mas a história ganhou contornos ainda mais inesperados. O casamento se desfez e uma parte da mobília foi embora, assim como o ex-marido, que voltou à França. “Trocamos de país”, ri Isabelle, da ironia do destino. Mas a parte feliz dessa fase é que as paredes do térreo da casa foram ao chão, integrando ateliê, sala e biblioteca da casa. “Ela ficou mais aberta. Precisava dessa liberdade”, diz a moradora, se lembrando da alegria que essa atitude trouxe. A decoração ganhou luminosidade e leveza – e era tudo o que Isabelle precisava.

O térreo é onde ela recebe os amigos, mas também é onde mergulha no trabalho. “Quanto mais produzo, mais surgem pinturas”, diz a densa “pintora”, como se descreve. Além da criação intensa, nesse espaço – que era a garagem da casa e virou sala, envidraçada - ela dá aula de artes para crianças.

No restante dos ambientes, tudo foi sendo reconstruído de forma única pela moradora, a partir da base neutra, branca, da casa. “É tudo uma combinação de acasos super visual”, ri. Por “acasos” entenda apostas corajosas e um olhar apurado: de vez em quando a artista encontra uma peça na rua, escanteada, e leva para casa. Ou então faz trocas de móveis com amigos. E assim, a decoração está sempre renovada. É como um hobby. “Vou misturando as coisas, e o conjunto vai ficando interessante”, diz, com um gerúndio de quem transforma a todo momento. Afinal, ela sabe que o tempo é um bom decorador, assim como o estilo francês, livre de regras prontas, mas muito envolvido com a moradia. “Nosso jeito de decorar não se prende à moda”, explica. A casa parece devolver a resposta. “Ela me dá essa sensação de liberdade, de segurança”.

Cheio de misturas inusitadas, o visual deixa exposta a lição aprendida na mudança, como a própria história de Isabelle. “Se fosse me mudar outra vez, não levaria muito. Meus móveis (poucos, de verdade), meus tecidos e as telas são o eixo da minha casa. O resto vai se montando de acordo com o lugar”, conta. É assim que ela dá um tom único a seu jeito de morar: nada ali custou caro, embora tenha incalculável valor afetivo. “Procuro não gastar dinheiro com decoração. Decorar dessa forma é um desafio permanente e gostoso para mim”.

Publicado na edição de junho de 2010, na Revista Casa e Jardim, ed. Globo.