sábado, 5 de setembro de 2009

A moda é ser feliz

Alcançar o bem-estar em casa envolve perceber valores que ultrapassam tendências de decoração. É disso que trata o seminário lançado por Casa e Jardim, que vai debater as transformações pelas quais passam um lar e a liberdade de decorá-lo com humor, histórias de família e, sobretudo, estilo próprio

Texto Carol Scolforo. Repórteres de imagem Ana Claudia Marques e Denise Costa. Fotos Rogério Voltan

Se a casa tem papel fundamental na alegria de viver, qual é o sentido de buscar na vitrine da loja o pacote completo do contentamento? Mais sensato é recorrer à alma do lar, e de quem vive nele, para decorá-lo com legitimidade. Em A felicidade mora aqui, seminário que Casa e Jardim realiza no dia 30 de setembro, no hotel Grand Hyatt, em São Paulo, convidados nacionais e internacionais se reúnem em torno dos temas A casa em transformação e Decorar com liberdade. O evento é voltado para arquitetos, decoradores, designers e paisagistas.

Às vezes teimamos em levar para casa o sonho que se vende na loja – seja o móvel, o objeto decorativo, a cor da parede, a TV para lá de moderna ou um determinado piso. No entanto, devidamente instaladas, as aquisições podem não fazer sentido nenhum. A sensação é estranha, de que algo não vai bem. Inconscientemente, nos sentimos mal em um lugar que deveria nos atrair e revigorar nosso humor. Pois é. Adotar o que está na moda simplesmente porque é moda ou a tendência do momento sem que caia bem ao seu estilo é quase atropelar a personalidade dos moradores. Por fim, nos sentimos mais em casa fora dela do que entre suas paredes.

Mais do que local de abrigo e proteção, a casa é nossa terceira pele, nossa esfera de reconhecimento. Como diz o filósofo suíço-britânico Alain de Botton, em seu livro A arquiteturada felicidade, “um lar é um espaço que consegue tornar consistentemente disponíveis para nós as verdades importantes que o mundo amplo ignora, ou que nosso eu distraído tem dificuldade em manter”. Botton é um dos estudiosos que buscam mudar o foco do assunto para o indivíduo, sem deixar de lado a estética ou a funcionalidade. Ele está interessado em mostrar os valores, sonhos e memórias que dificilmente estão impressos nos catálogos de decoração. “Um lar é um espaço que consegue tornar consistentemente disponíveis para nós as verdades importantes que o mundo amplo ignora, ou que nosso eu distraído tem dificuldade em manter” Alain de Botton, em A arquitetura da felicidade Ninguém está ofendendo nenhuma tendência, é claro.

Afinal, a maioria delas sai de estudos importantes para facilitar a rotina, levando em conta o estilo de vida de cada um. Mas fazer uma triagem que tenha a ver comas próprias verdades é essencial para morar bem. Quer um exemplo? Quando se espalhou pelo mundo a ideia americana demorar em loft, muita gente adotou esse estilo de vida. No entanto, a derrubada de paredes se choca como desejo de privacidade. “Os moradores de uma casa têm necessidades diferentes e se refugiam em cantos distintos. A privacidade garante que cada um expresse seu desejo”, diz a psicóloga capixaba Angelita Corrêa Scárdua, mestre em psicologia social e especialista em neurociências e comportamento. Mesmo que haja na casa um morador único, a banalização visual dos ambientes pode se tornar um fator estressante, cansativo.

Falta de funcionalidade é outro aspecto que irrita. “A estética precisa ser funcional”, frisa Angelita, citando cubas de lavabo muito rasas, outra tendência amplamente utilizada nos últimos tempos. “Algumas aplicações ficam só de enfeite, as pessoas acabam deixando-as de lado. E gera estresse um investimento inutilizado. ” Também irrita e incomoda ver reparos por fazer, segundo Alain de de Botton: a falta de iniciativa se escancara.

A mesma sensação estática se aplica a uma casa que pouco se renova, que tem uma decoração definitiva. “É preciso criar espaço para o novo entrar e estimular o cérebro. Um lugar onde nada muda há anos sinaliza uma espécie de inércia emocional”, aponta Angelita Scárdua. Ao mesmo tempo, incluir muita tecnologia no espaço doméstico também pode estagnar a atividade dos moradores.

Equipamentos eletrônicos em excesso no quarto, por exemplo, interferem na energia entre essas quatro paredes. “Claro que as tecnologias são necessárias, mas pelo menos o quarto, que é um lugar de descanso, deve evitar concentrá-las”, detalha a bioarquiteta capixaba Kelly Guariento Marques. “A casa é o lugar onde se abrigam vontades, desejos, sonhos. Por isso não pode ser um produto descartável” Maria Elvira Rofete, arquiteta Facilidades como essas tornam mais fácil a correria da rotina. No entanto, escanteiam a profundidade de uma moradia. “As pessoas acabam passando pela casa. Vivem correndo e deixam de lado os sentidos, a percepção desse lugar. Por isso adotam a moda. Falta profundidade em morar, falta alma nos ambientes”, observa a designer de interiores paulistana Maristela Gorayeb.

Essa história ainda pode ser revertida, se forem privilegiados aspectos emocionais como memórias de família, boas histórias, aromas, sons, texturas e suavidade visual (simplicidade, não monotonia). Assim, a casa se torna verdadeiramente revigorante. Afinal de contas, a moda é o que queremos que os outros percebam, como diz a arquiteta, urbanista e professora do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, Maria Elvira Rofete. “Já o estilo, dentro de casa, é o que somos. E não o sonho que se vende na loja ou na mostra de decoração.”


publicado em http://revistacasaejardim.globo.com/Revista/Common/0,,EMI90390-16940,00-A+MODA+E+SER+FELIZ.html

Setembro de 2009 na revista Casa e Jardim, ed. Globo

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Por um namoro sem território

Carol Scolforo

(matéria publicada em A Gazeta, em 07/06/2009)

Ninguém estranha ver pares de namorados se beijando, andando de mãos dadas ou escancarando chamegos no shopping, no aeroporto, no restaurante. Mas se ambos forem do mesmo sexo, o mundo para pra ver.E aí entra aquela velha questão, que muitos preferem nem trazer à tona: por que os casais homossexuais não têm o direito de namorar como os hétero? Por que ainda enfrentam olhares e até mesmo xingamentos quando caminham de mãos dadas, se abraçam ou se beijam em público?

Afinal, temos todos os mesmos direitos? Ou não?O advogado e professor de direito constitucional da FDV (Faculdade de Direito de Vitória) Kaleb Salomão garante que som. “A constituição brasileira assegura a liberdade de expressão, mas a sociedade brasileira não está moralmente preparada para ver um beijo homossexual”, observa ao mesmo tempo que garante: “Apesar disso, uma cena de namoro gay não pode ser considerada um ato obsceno na visão do direito. O direito não interfere em uma expressão de carinho entre pessoas do mesmo sexo”.

O direito assegura, mas em função do preconceito, a maioria dos casais opta por não beijar. Mas há quem não concorde com isso. “Como militante do movimento de lésbicas no Estado, eu beijo mesmo mina namorada. Para garantir meu espaço”, diz a mestre em educação Ariane Meireles, 43, á 6 meses apaixonada por Rosa Posa, também de 43 anos.

Ariane não mede carinho. Beija no aeroporto, anda de mãos dadas em todo e qualquer lugar, deita no ombro de Rosa no barzinho, como héreros fazem por aí, sem receber olhares maldosos. “Quando andamos de mãos dadas no aeroporto, as pessoas ficam imobilizadas. Olham. Olham. E olham de novo”, conta Ariane, que hoje, dá de ombros a esse comportamento. Já Rosa é diferente. Prefere medir os carinhos porque acredita que as pessoas podem encarar como uma afronta. Ariane continua descordando.

Casais homossexuais contam como se comportam em lugares públicosAcha que o casal gay não pode deixar de fazer aquilo que tem vontade – dentro dos limites, é claro – assim como fazem os héteros.“As pessoas têm medo de sair comigo pra barzinhos. A dona de um bar já pediu para pararmos de nos beijar, em Itaparica, porque os clientes estavam incomodados. Como minha namorada pediu pra não arranjarmos confusão, fiquei quieta”.

Ariane reconhece que seu comportamento é uma exceção,e vai além do medo que os homossexuais têm de demonstrar afeto no meio da multidão de olhares. Exatamente por isso ela ousa. “Já aconteceu de algumas pessoas não entrarem no banheiro comigo por saberem que sou lésbica”. Lembra, indignada.Apesar de fazer o que quer, gostaria de não ter que enfrentar olhares preconceituosos ou comentários de mau gosto. “Nós, homossexuais, não temos um espaço de liberdade. O que acontece muito são homossexuais promoverem suas festas particulares, onde todos podem se divertir sem medo porque se veem com igualdade, sem julgamentos”,observa.

Para ela, essas festas resolvem parte do problema, mas aceitar esse confinamento é uma alternativa ao desrespeito social, o que não contribui para abrir a cabeça das pessoas.

Diversão fica restrita à casa de amigos

Somente uma minoria escancara a relação. A maioria sai por aí como amigos, com mãos desgrudadas e olhares desviados, numa tentativa de esconder qualquer química afetiva. Assim, segundo eles mesmos, os pensamentos maldosos dos passantes ficam menos evidentes.“Andar de mãos dadas é um direito conquistado. O casal gay pode andar assim em shoppings, praias ou qualquer luar público. Mas não é nossa opção. Cada um age conforme sua consciência”, diz Jorge Castro, que á duas semanas se mudou para São Paulo com o namorado, Tiago Nunes Diniz.

“Podemos nos beijar no shopping? Sim”. Se não pensarmos que ali grande parte das pessoas são hétero e que seria um escândalo para elas. Se as pessoas aprendessem desde cedo que é natural um homem beijar outro homem, assim como é natural um homem beijar uma mulher, com certeza faríamos isso e não haveria escândalo”, diz Jorge.Até porque ele sabe que o preconceito, muitas vezes, vem em forma de socos e pontapés. Por isso, faz questão de ser discreto.” O desgaste público seria deselegante. Com o tempo, esse respeito virá”, acreditam. Assim, a diversão, para o casal, acaba tendo limites definidos.“Vamos a boates gays, ao quiosque Luí, na Praia de Camburi, ou, à casa de amigos mesmo. Lá, não somos julgados e não recebemos olhares de reprovação”.

Por algum tempo, Jorge e o namorado foram promoters da boate gay Move, o que facilitou ter mais contatos para se divertirem, como qualquer casal. Mas eles ressaltam que as opções de lazer ainda são poucas. Em Vitória, há uma boate e um quiosque e em Vila Velha, duas boates e três bares.Em locais com o rótulo GLBT, ninguém precisa se preocupara. Já na fila do cinema capixaba, por exemplo qualquer afeto é registrado, o que, segundo eles, não acontece em São Paulo, onde vivem. “Vitória é uma cidade linda, tem clima gostoso, é o melhor lugar para se viver. Mas é uma cidade pequena. As pessoas ainda são muito fechadas. São Paulo é diferente. Tudo é mais natural”, avaliam.

Não é à toa que lá eles se permitem dar as mãos no metrô ou na fila do cinema. Isso sem contar com a variedade de opções de serviços e lazer para os gays. Casas noturnas, lojas, salões de beleza, restaurantes e pubs específicos para o público GLBT se multiplicam na Terra da Garoa. “Não por acaso, a maior parada do orgulho GLBT acontece aqui”, diz Thiago.Homossexuais contam como se comportam em lugares públicosAcha que o casal gay não pode deixar de fazer aquilo que tem vontade – dentro dos limites, é claro – assim como fazem os héteros.“As pessoas têm medo de sair comigo para barzinhos. A dona de um bar já pediu para pararmos de nos beijar, em Itaparica, porque os clientes estavam incomodados. Como minha namorada pediu pra não arranjarmos confusão, fiquei quieta”.

Ariane reconhece que seu comportamento é uma exceção, e vai além do medo que os homossexuais têm de mostrar afeto no meio da multidão de olhares. Exatamente por isso, ela ousa. “Já aconteceu de algumas pessoas não entrarem no banheiro comigo por saberem que sou lésbica”, lembra, indignada.Apesar de fazer o que quer, gostaria de não ter que enfrentar olhares preconceituosos ou comentários de mau gosto. “Nós, homossexuais, não temos um espaço de liberdade. O que acontece muito são homossexuais promoverem suas festas particulares, onde todos podem se divertir sem medo porque se vêem com igualdade, sem julgamentos”, observa.

Para ela, essas festas resolvem parte do problema, mas aceitar esse confinamento é uma alternativa ao desrespeito social, o que não contribui para abrir a cabeça das pessoas.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A liberdade na ponta do lápis

O simples rabiscar em uma folha de papel ajuda na concentração, espanta fobias e ajuda até na hora de estudar

Carol Scolforo

Bastam alguns traços para criar uma casa, duas curvas para formar o símbolo do amor, alguns pauzinhos para botar qualquer ser humano no papel. Ou no muro. Ou no chão. Desenhar nos dá liberdade para irmos para onde bem entendermos. Às vezes, um desenho é capaz de nos transportar até para um passado remoto. Afinal, foram os traços feitos nas paredes das cavernas que transmitiram a nós, homo sapiens, o modo de vida daquela época. Um instinto que ainda hoje toma conta de todos – principalmente na infância.

Que criança não adora fazer sua arte nas paredes de casa? Geralmente, mamães e papais nem gostam tanto, mas os rabiscos coloridos, com certeza, traduzem a realidade dos pimpolhos. Depois dessa fase, aprendemos que desenhando letras passamos mensagens. Mas há ainda quem diga que uma imagem vale mais que mil palavras.

O bom de tudo isso é que os resultados dos traços no papel podem surpreender e, de quebra, melhorar a vida de muita gente. Aliás, rabiscar é tão terapêutico que a francesa Claire Fäy lançou o caderno de atividades com vários passatempos para adultos. Em vez de fazer intrigas no escritório, Claire sugere descontar no caderno o tédio, as ansiedades e frustrações. “É uma válvula de escape para funcionários indignados”, diz ela. Sucesso Sem efeitos colaterais ou contra-indicações do pessoal do RH, o livrinho é sucesso em vários países europeus – permaneceu um ano nas listas de best-sellers franceses, garantiu sua posição entre os dez livros mais vendidos naquele país em 2007, e foi traduzido em dez línguas.

Para gente um pouco menos estressada – como as crianças –, desenhar envolve criatividade, como resumiu, no século passado, o professor de artes Viktor Lowenfeld. “ É por meio da atividade criadora que a criança desenvolve sua própria liberdade e iniciativa, e reconhece as diferenças individuais”, disse ele, cheio de experiências no campo.

Já o pesquisador Georges-Henri Luquet diz que o ato de desenhar força a criança a observar o mundo que a rodeia. “ Isso a obriga a vasculhar dentro de si modelos, modificando-os na medida em que evolui sua concepção de desenho”. Tudo bem, desenhar não é algo tão racional, ou medido em benefícios. Mas se essas razões não forem suficientes, há ainda a do escritor italiano Domenico de Masi: torne seu ócio realmente mais criativo. Entendeu, ou quer que eu desenhe?

Hobby virou emprego

Ter olhos abertos para a singularidade da vida é algo que mora nas entrelinhas de um caderno de desenhos. E sensibilidade se exercita até sem ver as cores - como Gabriel Medeiros, um cara com sorriso de covinha, faz desde pequeno. Descobriu o daltonismo pequeno, mas sempre pediu lápis de cor de presente. “Nunca tive carrinho, quando era criança. Gostava de desenhar, mesmo, e ganhava lápis e cadernos até no Natal”, ri.

Das cores da caixinha, amarelo é sua preferida, já que é a única que distingue bem. Mas em preto e branco, ou com tons psicodélicos, ele leva seu caderno para todos os momentos. Já desenhou no carro, na feira, na fila do banco e na inspiradora Pedra da Cebola.

Uma vez, passou um dia inteiro debruçado no papel. E como todo estudante que gosta de desenhar, já teve cadernos apreendidos em diversas aulas. Aprendeu, é claro, a lição. “Desenho só nos intervalos das aulas”, diz ele, com um sorriso de apaixonado por lápis e papel. Entrou para a faculdade de moda por gostar de desenhar estampas, mas quando se viu pressionado por criações que saíssem do papel, travou. E resolveu mudar de curso, três meses depois: preferiu ser fotógrafo. Hoje, ele desenha sobre as fotos que faz, e com isso, o hobby rendeu grana extra. Já fez folder, agenda e capa de jornal institucional. “Comecei a estilizar meu traço quando mudei de curso, e aí encontrei meu trabalho como queria”, comenta. E como nutrir a inspiração para dar química ao lápis e papel?

Para Gabrel, como o moço atende mais bem-humorado, a inspiração vem dos toy arts, da música instrumental, do stop motion (técnica que põe movimento em desenhos) e do adorado Tim Burton (o diretor dos fantasmagóricos “Edward Mãos de Tesoura” e “Noiva Cadáver”). O resultado são os traços únicos e poéticos de um estudante de 22 anos, que já ganharam quase 4 mil visualizações no YouTube. Quer uma pontinha? Acesse aí: www.flickr.com/mundobrel; www.mundobrel.blogspot.com ; www.youtube.com/gaabrel.

Para adultos:

Não sabe nem por onde começar? Solte o lápis, sem obrigações estéticas. O importante é criar algo novo, sem se prender a críticas ou esperar elogios.

Desenhe para você, para descobrir de verdade quais são suas cores. Está com raiva, medo, frustrado? Desconte no caderno o tédio, as ansiedades e frustrações. O desenho pode dar forma a suas emoções.

O assunto da próxima reunião é desinteressante? Aqueles desenhos aleatórios que saem do papel enquanto ouvimos, ao contrário do muitos pensam, ajudam a nos concentrar. E se o objetivo for se concentrar ainda mais, desenhe mandalas. Quem garante é a psicóloga Monalisa Dibo que estuda o assunto há anos.

Para crianças: Dê a seu filho canetas, papéis, tintas, de acordo com a idade dele. Não é recomendável livros de colorir, pois as figuras e objetos delimitados restringem a criatividade. Dê a ele um avental de plástico e cubra as áreas próximas. Isso o deixará menos inibido e receoso de fazer bagunça - além de deixar a mamãe feliz com a limpeza.

Ensine seu filho a ser cuidadoso e responsável com o trabalho. Dê uma opinião honesta, significativa e construtiva sobre a qualidade do trabalho. Transmita a ideia de que os trabalhos do seu filho têm valor.

Reserve um espaço na casa para colar os trabalhos dele, e guarde os antigos em um catálogo, para dar espaço a novos desenhos.

Encoraje seu filho a falar dos desenhos que ele fez. Assim você aprenderá sobre o momento que ele está vivendo, e sobre seus sentimentos. Evite criar uma dependência de sua presença ou de suas sugestões nesse momento.

Fonte: Livro Como desenvolver a inteligência do seu filho, Ed. Seleções Reader‘s Digest

Desenhar ajuda nos estudos

Adicione a efervescência dos adolescentes a uma aula impregnada de informações de tempos remotos. O resultado? Alunos dispersos na aula de História. Mas basta assistir a uma aula do professor Márcio Vaccari, 35, para viajar no traço e conseguir imaginar como era a vida em outros tempos. É assim que ele prende a atenção de seus alunos, colocando seu hobby no quadro enquanto conta os detalhes da era medievais. “O desenho é um estímulo para eles apreenderem na mente as imagens originais da História.

Se isso atrai a atenção dos alunos, melhor ainda. Para mim, é apenas um estimulante para direcioná-los ao livro”, diz Márcio, um cara simples, que não assina nem os desenhos que faz para os amigos. “A arte é coletiva, é livre. Uso para me expressar”, simplifica. E ele tem talento. É impressionante, começa a desenhar de trás para a frente. “Culpa” da irmã, artista plástica. “Desenho desde criança, porque ela sempre deixou o material acessível, nunca me proibiu de usar”, ri.

Há dois anos, resolveu pintar, fora do papel. Não faz arte concreta, nem abstrata. Mas põe cor em cenas da literatura. Gosta mesmo é de desenhar gente. “Quando estou parado, distraído ou até no telefone, desenho gente em movimento. Contraditório, não?”

Desenhar ajuda a ganhar (ou perder) uma vaga

Uma gama de profissões exigem um bom traço para engrenar. Mas, antes de conseguir um emprego, ou mesmo passar numa prova teórica de trânsito, muita gente pode ser mal interpretado por um desenho. Nos testes de seleção mais modernos, os desenhos nem são tão usados mais, porém, podem revelar como você se projeta no mundo.

Ou seja, se desenhar uma pessoa sem chão, pode estar transmitindo ao avaliador que você não está firme em seu território, ou não sabe muito bem o que quer. O Google tem mais um monte desses macetes, que revelam alguns truques para ser aprovado na seleção. “Por isso mesmo, muitas empresas de seleção pararam de usá-lo, embora isso não altere muito o desenho da pessoa, pois na hora da prova, a coisa muda”, ri a analista de RH da Selecta, Sueli Martins.

De acordo com ela, um traço muito fora do comum pode mesmo atrapalhar a aprovação para a vaga tão sonhada. “É uma avaliação muito subjetiva, por isso é mais usada em clínica. Mesmo assim, ele pode desclassificar alguém, sim. Pode parecer confuso, mas para quem avalia é bem claro”

Desenhar espanta fobias

Sem compromisso estético ou formal, também é possível desenhar e se livrar de fobias e outros problemas emocionais tão cinzas quanto esse. Isso, graças à arteterapia, um tratamento que ultimamente anda sendo bastante reconhecido por médicos - em breve deve até entrar na grade de um curso de medicina do Estado.

Parece uma boa desculpa para um hobby, mas está bem longe de ser. “A arteterapia trabalha com a livre expressão, o que proporciona transformação e autocura porque dá vazão ao seu conteúdo, à criatividade”, diz Glícia Manso, arteterapeuta e presidente da Associação de Arterapia do Espírito Santo. E acrescenta: “Essa terapia cura no sentido de tomar posse do que você é, minimizando as dificuldades e conhecendo-as, realmente”, acrescenta. É como se fosse uma outra linguagem das emoções.

O terapeuta orienta a trabalhar bastante com as mãos, com o corpo e com a música. “É preciso ofertar várias linguagens da arte para o paciente se identificar”, diz Glícia. Geralmente, a terapia tem até duas sessões por semana, de uma hora cada. Os resultados, inclusive, são muito bons. “Às vezes, a pessoa consegue expressar algo na arte que verbalmente não conseguiria”, ensina ela. Depois da arte pronta, o arteterapeuta chega a conclusões com o paciente. “Temos medo de sermos criticados ao libertar traços no papel. Por isso, o desenho não pode ter nenhum efeito estético”, observa Glícia.

Tudo tem conteúdo simbólico, e é preciso colocar para fora. Se for difícil, a música pode ajudar. A maioria das artes que os pacientes preferem é o desenho no papel. “Essa atividade é estruturadora. Já o barro é mais intimista, e quando o paciente tem medo da argila, oferecemos o lápis, que dá muita segurança.”


Desenhar melhora a concentração

E lá está você, numa reunião, em frente à equipe toda, riscando o caderno, de onde saem super heróis, casinhas, flores e tudo mais que a sua imaginação mandar. Ou então acontece durante uma conversa longa ao telefone: uma enxurrada criativa toma conta do lápis no papel, e você solta uma porção de estrelinhas, coraçõezinhos, carinhas de coelho...

A psicóloga Monalisa Dibo, que pesquisa o assunto há alguns anos, garante que maioria das pessoas faz círculos em espirais. Ou então setinhas. No primeiro caso, uma das interpretações dá conta de uma tentativa de encontrar a si mesmo. Já as setas indicariam a busca de caminhos, alternativas.

E aquelas pessoas que rabiscam interrogações? Segundo a especialista podem estar querendo as respostas para suas dúvidas, enquanto aquelas que desenham casinhas buscam proteção. “Claro que nem tudo pode ser levado tão ao pé da letra, pois depende do momento que cada um está vivendo, do dia, e de uma série de coisas”, avalia ela. Mas que existe essa relação, ela não tem dúvida.

E para quem critica o desenho alheio na reunião de trabalho, justificando que seja falta de atenção, os cientistas dão um recado: pode ser exatamente o contrário. Jackie Andrade, em seu livro What does doodling do? (2009, sem tradução para português ainda), diz que esboçar um desenho por aparente distração ou de alheamento, não é uma perda de tempo. “É uma estratégia para ajudar a manter a atenção. Na verdade, parece ser a forma que algumas pessoas desenvolveram para contrariar o efeito de uma atividade monótona, ou, para se focarem de forma intensa em algo”.

E se o desenho for uma mandala, melhor. A psicóloga Monalisa Dibo comprovou cientificamente que mandalas favorecem ainda mais a concentração. Dividindo adolescentes em duas turmas, pediu a uma delas que desenhasse uma mandala por 40 minutos, e a outra, simplesmente, que ficasse sem desenhar. No fim da atividade, ela sentiu nitidamente: a turma que desenhou mandala teve uma melhora impressionante de concentração. “A aula deles rendeu mais, eles captaram melhor as informações e aprenderam muito mais“, explicou a psicóloga, acrescentando que a própria turma percebeu que estava mais concentrada. Ela não decidiu estudar o assunto por acaso.

Na Alemanha, os estudantes repetem essa atividade antes das aulas há muitos anos. “Das crianças menores às mais velhas, todas mantêm seus cadernos de desenho. Com isso, têm mais atenção nos estudos, tanto na sala de aula como ou em casa”

Desenhar solta os monstros e amarra as ideias

Desenhos são janelas que permitem ver como anda o interior de cada um. “Conseguimos ver a subjetividade e até perceber se há conflitos ali”, observa a psicóloga junguiana Mariana Taliba Chalfon.

Mas é importante dizer que um desenho é uma ferramenta, não uma análise isolada. Por isso, não vale sair por aí avaliando mal crianças que desenham monstros, por exemplo. Aliás, se monstros saírem delas e forem para o papel, ótimo. “À medida que criamos uma imagem, ela expressa um conflito que fica mais fácil de ser visualizado. Mesmo que não se estabeleça um diálogo racional entre a pessoa e a imagem, há uma catarse, um sentimento fica concretizado”, explica Mariana, mestranda em Psicologia Clínica.

Isso fica ainda mais claro quando os sentimentos estão indefinidos dentro da gente. Por isso, corra para pegar lápis e papel: você pode dissolver ali mesmo emoções como a angústia. “É como se você desse forma a um sentimento”, avalia Mariana.

Para as crianças, por exemplo, um desenho pode transmitir informações interessantes sobre o momento que ela vive, seu temperamento, suas carências e suas paixões. O livro “Como interpretar os desenhos das crianças”, da pedagoga Nicole Bedard, ajuda a compreender melhor o tema. Entre as considerações da pedagoga, estão a relação entre as idades e suas representações no papel: “Entre 2 e 3 anos de idade, a criança ainda não faz desenhos com significado representativo. Já entre os 3 e 5 anos de idade, ela já tenta desenhar de acordo com a sua realidade, e para elas, as imagens tem todo um sentido.

Mande a tristeza embora

Bom humor é indispensável para Vanessa Priscilla Amorim de Carvalho, 23, exprimir no papel suas emoções. No entanto, ironicamente, é nas crises existenciais que saem os melhores desenhos. Curvas sinuosas preenchem, com detalhes as folhas em branco, e assim esgotam horas tristes ou angustiadas.

É uma terapia que acabou virando profissão também. O traço levou tempo para alcançar a maturidade, diz Vanessa. “Aos 10 ou 12 anos comecei a rabiscar. Aos 14, comecei a observar mais a anatomia do corpo humano, e comecei a desenhar com grafite 6B”, conta, íntima dos materiais que mais gosta. “Comecei como um ócio criativo mesmo. Mas já passei até oito horas em cima de um papel. Parece um transe, quando começo a desenhar. Só paro se tiver algum compromisso, mas esqueço de comer, de ir ao banheiro, esqueço do mundo”. Segredo para começar a se arriscar sem medo no caderno de desenhos? Observar bem. “No início, não desenhava mão, e nem pé. Mas passei a olhar muitas fotos e assim, consegui“

Fontes: Glícia Manso arterapeuta e presidente da Associação de Arterapia do Espírito Santo. Monalisa Dibo psicóloga. Sueli Martins psicóloga analista de RH da Selecta. www.desenhosparacolorir.org Caderno de Rabiscos para Adultos Entediados no Trabalho. Claire Fay, editora Intrinseca, 2008. (R$ 11,00, em média).

Tem que participar!

Participe. Nada de comprar o brinquedo mais bombado do mercado. Seu filho precisa compartilhar suas descobertas Participação.

CAROL SCOLFORO

Uma infinidade de receitas, fórmulas mágicas, livros, jogos, e até brinquedos têm feito brilhar os olhinhos dos pais. É só ter na embalagem alguma alusão à inteligência infantil, e lá estão famílias inteiras, juntando todos os centavos para adquirir o produto e, conseqüentemente, aumentar o QI (Quociente de Inteligência) de seus filhos. Mas a coisa não é tão simples assim. Não se compra inteligência em prateleiras.

Aliás, depois de muitos estudos, os neurocientistas ainda nem conseguiram descobrir o seu conceito. E também não sabem quais estímulos poderiam acelerar o aprendizado, para serem criados pequenos gênios. “Sabe-se somente que a inteligência é um conjunto de capacidades e que uma parte desse conjunto estaria definida pela genética, e a outra, sem definição, estaria aberta às estimulações”, diz a neurocientista Suzana Herculano Houzel.

E é aí que surgem alguns mitos, passados de geração a geração. Dizem, por exemplo, que a fase de ouro do aprendizado iria até os dois anos de idade. Uma afirmação sem fundamento, na opinião da neurocientista Suzana. Outro erro, para ela, é afirmar que música clássica aumentaria a agilidade do aprender. “A música é, sim, importante. Mas sozinha não ativa o cérebro nesse sentido, embora estimule a concentração”.

EMOÇÕES
Mas antes que pais e mães de plantão fiquem desesperados, há uma boa notícia: já está provado que estímulos significativos, que envolvam emoção, podem, sim, aumentar a capacidade intelectual da criança. Só que para isso não são necessários grandes investimentos em brinquedos multicoloridos e musicais. Para os especialistas, o investimento deve ser outro. Em curiosidade, que desperta a vontade de ler para ter a resposta, e em diversas brincadeiras educativas, de preferência na companhia dos pais (veja o quadro ao lado). “As pessoas pensam que estimular é encher a criança de informações visuais e sonoras. Isso é um erro, pois o cérebro só consegue lidar com uma informação por vez. Só retemos no cérebro as informações que nos fazem sentido”, destaca a neurocientista Suzana.

TEMPO
Por isso, em vez de comprar o Play Station mais avançado do mercado, o que você acha de tirar um tempo com seu filho para criar quebra-cabeças, feitos de jornais, ou assistirem juntos ao desenho preferido dele? Especialistas garantem que um número muito grande de informações e de brinquedos pode, ao contrário, gerar bebês e crianças estressados, em vez de adultos inteligentes. Em resumo, a única certeza dos especialistas é que a estimulação se dá com alegria, convívio e emoções. Só assim, a atividade se torna eficaz. Invista nisso!

Os tipos de inteligência

O Teste de Quociente de Inteligência (QI) foi criado apenas para identificar atrasos no desenvolvimento do intelecto, de acordo com a idade da pessoa. Entretanto, mesmo que esse teste tenha identificado que seu filho tem idade mental avançada, é complicado afirmar que ele é mais inteligente que seus amigos. Isso porque o que passa a ser valorizado, agora, são outros tipos de inteligência, que vão muito além do raciocínio ágil e da boa memória. O psicólogo Howard Gardner, da Universidade de Harvard, criou a teoria da múltipla-inteligência, que identifica sete estilos de pensamento e aprendizagem. Veja abaixo:

Inteligência lingüística.
É a inteligência que fornece as bases para informar, persuadir, discutir, ensinar e entreter. As crianças com essa inteligência elevada gostam dos sons das palavras.

Inteligência lógico-matemática. É a facilidade de trabalhar com números e seqüências lógicas. Inteligência espacial. É a capacidade de conceitualizar imagens mentais e fotografias. São bons detalhistas visuais.

Inteligência musical. É o talento para produzir ritmos e melodias. Para identificá-lo, basta conseguir diferenciar duas partes relativamente semelhantes de música.

Inteligência cinestésica. Muitos ainda não aceitam que esse tipo de inteligência exista. As crianças que possuem essa inteligência são práticas, e participam ativamente de tudo.

Inteligência intrapessoal. Esta lida com o domínio do eu interior. É a capacidade de identificar suas sensações e distinguir variações da mesma emoção. Incita à auto-análise, ao autodomínio. Inteligência interpessoal. Liga-se ao trabalho com os outros. São pessoas que reconhecem humores e necessidades dos outros, inclusive dos adultos.

Aprendizado lento não é problema

Crianças que têm problemas de aprendizado – ou se mostram mais lentas que o restante da turma – podem recuperar o tempo perdido e acompanhar os colegas, sem problemas. Mas, para isso, há o jeito certo de acelerar seu desenvolvimento. Após anos de trabalho específico com esses casos, a estimuladora infantil Sheila Loureiro Carasso afirma já ter bons resultados. Em sua clínica, faz estimulações sensoriais e psicológicas, e diz que a maioria dos problemas acontecem quando, ainda na primeira infância, é pulada alguma fase, como o engatinhar, por exemplo.

“Precisamos passar por todas as fases para o cérebro ter um padrão de aprendizado ideal, que se dá com um bom gerenciamento de informações. Ou seja, se a pessoa retém a informação, e sabe onde encontrá-la, é porque aprendeu”, aponta. Na clínica, há um setor de inteligência, com fonoaudióloga, psicopedagoga, psicomotricista e um estimulador sensorial. Sheila diz que a auto-estima é bastante trabalhada, nessa área. Além disso, ensina às mães o jeito certo de ativarem sensações em seus bebês, com cursos específicos, mostrando como eles se desenvolvem, e como evitar problemas futuros de aprendizado.

Mitos e verdades

1. É verdade: Crianças que memorizam fatos isolados nos primeiros anos de vida, a longo prazo, não demonstram maior capacidade de reter a informação que outras.

2. É mito: Ouvir música clássica desde o útero ajuda a desenvolver crianças mais inteligentes. Segundo especialistas, isso nunca foi comprovado.

3. É verdade: Crianças que aprendem brincando desenvolvem suas habilidades sociais e emocionais cruciais para sucesso a longo prazo.

4. É mito: Certos brinquedos ou programas educativos são eficazes para o desenvolvimento do cérebro. Segundo especialistas, isso é marketing e vende absurdamente.

5. É verdade: Alguns programas de TV, como Barney e Teletubbies, são repetitivos, mas eficazes para as crianças. Têm aprendizado comprovado quando os pais assistem junto a seus filhos, acrescentando informações.

6. É mito: Os dois primeiros anos de vida são o período em que o cérebro mais se desenvolve. Comprovadamente, nosso cérebro está em constante desenvolvimento, e principalmente na adolescência ele tem aprendizado bastante acelerado.

7. É mito: O ambiente precisa ter muitos estímulos visuais e sonoros para facilitar o aprendizado. Isso, inclusive, pode causar estresse infantil. Os estímulos devem ter algum significado para serem armazenados no cérebro.

Fonte: Especialistas entrevistados


Quanto mais cedo, melhor?

Facilidade. Arthur, 5, e Letícia, 3, aprendem inglês brincando Letícia Rassele Soprani tem só 3 anos, mas já fala algumas palavras em inglês, e pergunta a mãe, o tempo todo, como se fala isso ou aquilo na língua. O irmão, Arthur, tem só 5 anos e já canta algumas músicas americanas. A mãe das crianças, a professora Maria José, 41 anos, admite que é cedo para eles aprenderem outro idioma, mas não tem nenhum receio de que isso possa prejudicá-los. Pelo contrário. Acha que quanto mais cedo, melhor. Será que ela está certa? A resposta ainda divide os especialistas. Por um lado, o neurologista infantil da Faculdade de Medicina da UnB, Carlos Nogueira Aucélio, afirma que aulas de um novo idioma só têm eficiência após a alfabetização. “Antes disso não há ganhos reais”, diz ele. Já a neurocientista Suzana Herculano-Houzel é categórica: “Mães que colocam seus filhos cedo no inglês estão certíssimas. Com a variedade, o cérebro fortalece suas conexões e o aprendizado acontece naturalmente e muito mais rápido”, diz ela, acrescentando que aprender brincando, como acontece com Letícia e Athur, é o melhor caminho para a assimilação.

A mãe, Maria José, que aprendeu com dificuldade o inglês aos 21 anos, fica feliz. “Eles vão crescer com a pronúncia certa, sem sotaques. Já entram em sites interativos, e, mesmo que não aprendam as coisas a fundo, vão ‘internalizando’ sons. No futuro, sentirão a diferença”, aposta.

Serviço: Ann Marie Guimette. PhD em Psicologia social e pesquisadora do desenvolvimento infantil. Íntegra de sua pesquisa no site www.omo.com.br Carlos Aucélio. Professor de neurologia infantil da UnB. Espaço Aberto. Clínica de Reabilitação Neuropsicomotora. Katia Chedid. Psicóloga especializada em neuropsicologia. Site: www.katiachedid.com.br Livro Einstein Teve Tempo Para Brincar. Diane Eyer, Kathy Hirsh-Pasek e Roberta Michnik Golinkoff. Editora Guarda-Chuva. R$ 34,00 Livro O ser pai. Manoel Nascimento Rocha. Marilena Flores Martins. Pesquisadora da Associação Brasileira pelo Direito de Brincar (IPA) Suzana Herculano-Houzel. Neurocientista e membro da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC). Site: www.cerebronosso.bio.br * Agradecimento: Yázigi Internexus Praia do Canto.

Santa beleza

Não é heresia: padres bonitos têm atraído mais gente à Igreja. Conheça o lado deles nessa história

Carol Scolforo
ascolforo@redegazeta.com.br

Você sabia que quando o padre Fábio de Melo veste batina é três vezes mais assediado do que nos dias em que está, digamos, à paisana? Pois é, há uma certa efervescência do público feminino por sua beleza e carisma, mas também pelo clégima em seu colarinho, o que o identifica como um homem proibido a todas as mulheres. E como se isso não bastasse, há ainda seu visual. Padre Fábio vive impecavelmente vestido, com barba feita, cabelo bem cortado e sobrancelhas aparadas.

Se não fosse um homem de Deus, poderia muito bem ser considerado um metrossexual. E quem pensa que isso é um problema para ele, se engana. “Me cuido mesmo e faço musculação. Essa coisa de ‘quanto mais feio, mais santo’ é bobagem. Jesus arrastou o tanto de gente que ele arrastou porque, certamente, era sedutor”, já declarou ele, que embora seja “moderno” não questiona algumas posições da Igreja, como a obrigatoriedade do celibato.
Instituído pela Igreja Católica há séculos – e questionado vez ou outra – ele traz uma outra questão à Igreja: o assédio das mulheres por padres que a cada dia estão mais distantes do esteriótipo velhinho-baixinho-gordinho. Aqui mesmo no Estado não é difícil encontrar padres bonitões, inteligentes, carismáticos e modernos, que fazem sucesso além de suas comunidades. Só que, pelo menos por aqui, a modernidade não é tanta a ponto de fazer com que eles deem entrevistas.

Felizmente, encontramos dois padres que além de belos fisicamente, foram corajosos o bastante para desmistificar o tabu. E deixar bem claro que não é porque veem o tema com leveza que as mulheres podem ter certas liberdades. Nesse ponto, me perdoem as modernas, mas respeito é fundamental.

A vocação é mais bonita

Padre Eduardo Magalhães já sofreu muito por ter estilo e carisma. Recebia flores, serenata na janela, e até cartas apaixonadas. “Um dia, estava na moto e uma menina me jogou o celular. Depois, ligou pra ele, do celular de uma amiga”, lembra ele, que também já ouviu muita piadinha. Padre Eduardo, fica até constrangido de comentar, mas com uma coisa ele não concorda: “Já me disseram que gente feia é que tinha que ser padre. Pode?”, pergunta ele, que se define irreverente até em função de trabalhar com jovens.

“Tenho carro, moto grande e isso chama atenção. Mas esse é meu jeito de ser. Gosto de coisas boas, como todo mundo gosta”. Como, por exemplo, ir à praia. De sunga mesmo, como todo homem vai. “Engraçado que as pessoas pensam que padre não é homem. Eu sou um homem, como qualquer outro. Apenas fiz uma escolha. Sou normal, mas tenho uma vocação. Gosto de mulher, mas é justamente por isso que renuncio a elas. As pessoas acham que padre é padre porque teve alguma decepção amorosa, mas não tem nada a ver”.

E padre Eduardo diz isso com experiência. Antes de ser seminarista, namorou 1 ano e 8 meses. Depois, quando já era seminarista, quis fazer uma experiência e ficou três meses fora do seminário. “Conheci uma outra menina, por quem me apaixonei, mas o chamado do Senhor foi mais forte. Ela entendeu. Disse que não poderia competir com Deus”, lembra. A partir de então, padre Eduardo move multidões, de 5 a 10 mil pessoas, com seu jeito de celebrar. Aliás, ele é popular muito antes de padre Marcelo ou o próprio padre Fábio ficarem famosos. “Como sou muito popular, as pessoas reparam com quem eu ando. E criam uma imagem.

O traje de padre chama atenção, mas isso não pode subir à cabeça. Quando se tem claro o objetivo de vida, fica mais fácil. Ajo naturalmente porque as coisas estão bem claras no meu coração. Pessoas bem-resolvidas sabem lidar com qualquer situação”.

Realmente, é muita informação

O filme Anjos e Demônios, detestado pela Igreja Católica, traz um belo padre. Só tem um problema: o carmelengo, como é chamado o braço-direito do Papa, é o próprio mau caminho, já que não é do bem coisíssima nenhuma. Longe da ficção, o Estado do Vaticano há tempos exibe seus padres mais bonitos em um calendário em preto e branco.

Ao contrário do que muitos pensam, o calendário não é uma iniciativa da Igreja Católica, e sim do próprio Estado, que divulga notícias turísticas e dados sobre o passado e o presente. As primeiras folhinhas com as fotos dos religiosos foram publicadas em 2003. Segundo a Igreja, o objetivo da publicação é levar informações sobre o Vaticano para a população - e não instigar quaisquer tipos de pensamentos pecaminosos. O calendário pode ser comprado em bancas de jornal nos arredores de Roma ou pela internet (o calendário inteiro custa dez Euros).

A Santa Sé garante que a proposta é priorizar a informação. É, como você pode ver na seleção de padres, acima, é, realmente, muita informação. O belo pode estar longe do erótico Padre Rogério Guimarães: “Para a autoestima, é bom ouvir elogio. Mas é bom não deixar crescer isso dentro da gente”Rosângela Venturi Além de bonito, carismático e tranquilo, o padre Rogério Guimarães de Almeida Cunha é um homem sábio. E talvez esteja aí todo seu magnetismo e ao mesmo tempo toda a sua experiência e estratégias para vencer certos tipos de assédio, o que – cá entre nós – não é nada fácil. “Passei por uma situação, certa vez, muito complicada. Uma mulher casada vivia dando indiretas, sabe? Percebi, e mantive a distância certa”, resume ele, há 3 anos cuidando da paróquia de Soturno, próximo a Cachoeiro de Itapemirim. Mas o que ele não esperava eram os capítulos seguintes.

“Mesmo com a distância que estabeleci, um dia ela chegou e me disse, claramente, que estava apaixonada. Eu disse apenas que não podia dar nada a ela. Depois disso, nunca mais a vi na Igreja. O engraçado é que aparentemente ela era bem casada”, conta o padre, que ficou chateado com o episódio. “Esse tipo de comportamento por interferir muito na sua vida, porque você não sabe do que a pessoa é capaz. Quando uma pessoa chega a esse ponto, não se sabe o grau de sanidade dela. É uma situação ruim. Ela pode inventar coisas a seu respeito, chantagear você...” Padre Rogério tem razão e criou até estratégias para se resguardar desse tipo de coisa. “Além de conversar com padres mais antigos, sempre que vou a visitas levo mais duas pessoas comigo. São 2 testemunhas que confirmam o que fiz”.

O episódio com essa mulher o ajudou a amadurecer ainda mais o fato de negar sentimentos humanos de carência – afinal, padre também é homem, e Rogério, antes de tomar sua decisão pelo sacerdócio, já namorou. “A formação do seminário nos ajuda a integrar o celibato à vida diária. Ela nos ensina a viver feliz, realizado, como homem, sabendo que nossa opção de vida é o celibato. Trabalhamos nosso afeto definindo bem o amor ao reino de Deus, e cultivando amizades com casais, famílias, e pessoas da comunidade”.

ELOGIO É BOM

No entanto, não pense que por isso padre Rogério não gosta de um elogio. “Para a autoestima, é bom ouvir elogio. Mas também é bom não deixar crescer isso dentro da gente”. Até porque alguns elogios são maldosos. “Uma vez ouvi o seguinte: ‘Nossa, que pecado, um padre bonito e tão novo’”. Pra não sair da linha, na hora de dar uma resposta mais enérgica, padre Rogério lembra que a ética norteia suas bases. “O código de direito canônico fala, por exemplo, para estar atento ao confessionário e ser objetivo. E prestar atenção nas demandas que a pessoa traz, se são religiosas, ou afetivas. Muitas vezes as pessoas transferem relações paternais ou veem no padre um homem bom que o marido não é”. Por ser jovem, padre Rogério tem atraído (para a Igreja) muitos jovens também. Ele, inclusive, espalha notícias de missas pelo Orkut e está celebrando missas fora de igreja, o que tem dado muito certo. Aliás, é fora da Igreja mesmo que ele tem que dar exemplo. “Fui ao show do Victor e Léo, um dia desses.

O papa Bento XVI disse que devemos ser identificáveis por nosso testemunho de fé, por nossa cultura, por nossas atitudes e pelo modo de se vestir. Em qualquer âmbito da cultura. Claro que há eventos que não devo ir, mas há outros em que sua atitude cabe. A própria Igreja pede que os paramentos sejam bonitos. Beleza e Deus sempre estiveram identificados”. O calendário do Vaticano, em sua opinião, é uma boa jogada de marketing que transporta a beleza, do tabu à pureza. “A beleza não precisa ser erótica, embora não deixe de chamar atenção”

terça-feira, 21 de julho de 2009

Dê sua resposta à vida

Apatia: há algo errado dentro de você

Carol Scolforo


Sangue de barata, inexpressividade, inércia mórbida e falta de vontade de sentir a vida pulsar. Some todos esses ingredientes, cozinhe em banho maria e pronto. Está aí um apático dos bons. Ou melhor, dos ruins: o comportamento não expressa nem tristeza, nem alegria. Se trata, na verdade, de uma anestesia perante a vida.
Na verdade, é preciso recorrer ao latim para entender o que a apatia realmente provoca: o termo deriva de pathos, que significa algo que apaixona, que toca, que liga, que afeta. Só que seu sufixo indica o contrário disso tudo. ‘É como se houvesse um descompasso entre o que a pessoa vive, e o que ela pode viver’, resume a psicóloga Angelita Corrêa Scárdua.
A morna sensação se instala e pode até imobilizar a rotina. E é aí que mora o problema: como a apatia anula nosso poder de sentir, de transformar, de criar, é fácil mente confundida com preguiça. ‘Mas não é, nem de longe, a mesma coisa’,conclui Angelita. Isso porque o preguiçoso ainda faz as coisas, mesmo que seja nos minutos finais do prazo. Já o apático pensa que nada do que fizer vai mudar seu destino. Fica imerso nos lemas ‘tanto faz’, ‘fazer o quê?’… uma leseira sem fim.
É bom lembrar, no entanto, que apatia e preguiça variam da mesma improdutividade. E não levam ninguém a lugar algum. Moral da história: dormência emocional, o que não faz bem à ninguém.
MOTIVOS
Entre as várias causas, podemos dizer que o problema vem de quando vemos pouco resultado em lutar por alguma coisa. Assim, acionamos o mecanismo de cruzar os braços, como se pudéssemos evitar essas frustrações.
A esse ponto, você deve estar aí se perguntando se a sua indiferença em relação à camada de ozônio pode ser a patologia de que se trata essa matéria. Pois saiba que são duas coisas bem distintas. A apatia patológica acontece quando você se sente inerte a todas as esferas da sua vida – tanto num plano mais social quanto no mais íntimo.

‘Fiquei três anos na inércia’
‘Estava tudo bem comigo. Tinha namorado, estava na faculdade, tudo era bem confortável. Mas passava o dia todo no sofá. Sem vontade de levantar para nada. Já passei por depressão, e não era a mesma coisa. Fiquei assim por uns três anos, nessa inércia. Parecia que eu apenas assistia a uma peça, não fazia parte dela. Só que o palco era da minha própria vida. Por mais que pensem que era preguiça, sei que não era. Eu realmente não tinha via objetivo nenhum em fazer qualquer coisa. Na preguiça, a pessoa até faz as coisas, por mais que prorrogue ao máximo.Sabe quando nem vontade de rir você tem? Na apatia você pensa: ‘Pra quê fazer isso?’ E foi o que me levou a procurar ajuda, por conta própria.Ainda não acho que saí completamente disso. Mas o que me ajudou muito a sair do sofá foi uma viagem que fiz a Aracaju, sozinha. Foi muito ousado para mim, que em outras épocas nunca viajaria só. Foi um grande passo não ter ninguém para me puxar pela mão. E é muito melhor tomar atitudes por mim mesma. Isso me fez mais capaz de sentir as coisas.Acho que era isso que eu precisava para deixar a apatia. Mas hoje, só de ter olhado mais pra mim mesma nessa viagem e de ter saído do sofá já me sinto muito melhor!’Juliana Cardinali, 23, estudante de design de interiores.

Ele faz tudo com muita emoção
Conversar com o motociclista Ronaldo Batista é uma agulhada na bola murcha que costumamos encher de apatia. Ele vivencia cada um de seus dias com muita emoção. Cheio de expressividade, fala das vitórias que já saboreou. ‘Ganhei algumas coisas na Justiça, mas é só porque fui atrás.Não deixo passar mesmo! A vida me ensinou assim’. Ele não luta por que tem tempo livre de ir ao Procon – onde é líder de reclamações. Se reclama de R$ 0,10 centavos, é porque se sentiu lesado e não se conforma em cruzar os braços e dizer ‘não vai dar em nada mesmo…’
Sua perda mais recente, no entanto, faria qualquer um desanimar de tudo.Por falta de suporte técnico, um funcionário deletou mais de 15 mil cadastros de rua e 8 mil fichas de clientes, indispensáveis ao seu trabalho com telemensagens. Assim como ele, mais duas pessoas foram lesadas. Adivinhe se elas foram atrás dos prejuízos? ‘Elas acharam que não ia dar em nada e me aconselharam a deixar pra lá. Eu fiquei 3 dias sem comer por isso! Imagina se deixaria?!’

O que leva alguém à apatia?
Pela descrição do apático, ele parece estar bem distante de você, não é? Mas embora seja difícil admitir, a psicóloga Angelita Scárdua diz que o problema pode atingir qualquer um e é simples de ser identificado. ‘O apático até reconhece a importância das experiências afetivas, mas realmente não consegue sentir nada. E, se sente, não tem a motivação intrínseca necessária para enfrentar a experiência’.
Já no aspecto físico, a apatia provoca desgaste físico, enfraquecimento dos músculos e falta de energia. Embora possa ser um estágio leve da depressão, estar apático não significa necessariamente estar deprimido.
A realidade é que a apatia pode ser bem normal em algumas fases da vida. Superar a morte de alguém, por exemplo, pode gerar uma postura apática por um período. Seguem o mesmo rumo pessoas que se frustram como fim de um casamento, filhos que se sentem impotentes diante do divórcio dos pais, ou um aluno que não passa em um certo teste diversas vezes. ‘São situações comuns que podem gerar esse quadro, desde que sejam desestabilizadoras e pareçam insuperáveis’, conclui a psicóloga Angelita Scárdua.
Mas ela não ataca não só nesses furacões. Pode vir também do estresse rotineiro aliado a uma privação afetiva. ‘Há duas formas de lidar com a falta de uma base emocional: uma é a ansiedade, a outra é a apatia’.

Se envolver em projetos ajuda a sair da apatia
Para cortar os tentáculos imobilizantes dessa falta de emoções, não há outro caminho a não ser enfrentar o problema. Nessa busca, como diz a psicóloga Angelita Scárdua, um psicoterapeuta pode ajudar a entender o contexto em que ela se criou, avaliando as emoções e situações que estão sendo negligenciadas.
Depois de saber o que provoca essa letargia, é preciso mesmo afiar as garras e partir para cima dela. ‘O remédio para a apatia é encarar o medo. Para isso é importante fortalecer a auto-confiança e resgatar a capacidade de lidar com os desafios’, orienta Angelita.
Além de investir nas emoções, é bom também se dedicar a atividades que equilibrem a energia e a vitalidade do corpo. ‘Algo lúdico como a dança, a arte, o investimento num sonho profissional, uma conquista pessoal podem ajudar a superar o problema’.
Nessa hora, se inserir em um contexto mais coletivo também pode aumentar nossa disposição de agir. E é por isso que as Ongs tiveram uma multiplicação efervescente, nos últimos anos: ver alguém com a mesma luta que a sua pode fazer as coisas ganharem um novo sentido. Quer um empurrão maior? Estabeleça um prazo para botar um projeto em prática.Pode ser o pontapé que faltava para você pular da cama e partir para a luta.

Jornal A Gazeta – Caderno Leve A Vida (13/04/2008)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Vista-se de essência

Quem está por trás das suas roupas? Quem é você despido de regras, preconceitos e julgamentos? Fizemos essa pergunta para dez pessoas

Carol Scolforo ascolforo@redegazeta.com.br

Nudez é filosofia pura. Ousadia primitiva que instiga e afronta, fragiliza e expõe nossos mistérios. Por isso, talvez, você tenha ficado chocado ou curioso e tenha – antes mesmo de ler uma linha dessa matéria – folheado as páginas a seguir para conhecer nossos personagens como vieram ao mundo.Matada a curiosidade, é hora de saber por que resolvemos despir dez pessoas. Ao contrário do que você pode estar pensando, o objetivo não é chocar ou apenas fazer algo diferente. A idéia – bem ousada, reconhecemos – é incitar você a se despir de todas as velhas idéias para começar o ano de alma nova. E para essa faxina interna, é preciso imersão. Só conhecendo profundamente quem somos quando conseguimos nos livrar de preconceitos que, muitas vezes, nem são nossos, mas vão criando raízes profundas. Por isso, este não é um ensaio de nudez gratuito. Ninguém aqui quer exibir formas perfeitas ou abdome definido. Queremos apenas mostrar as pessoas como elas realmente são, em sua plena liberdade, para incentivar você também a se libertar de padrões físicos e morais que nunca fizeram parte da sua essência.Não é nada fácil, é verdade. Tirar as roupas sob flashes e estar sujeito às críticas do mundo não é pra qualquer um. Mas foi o que fizeram nossos personagens, que também revelaram quem realmente são, bem lá no íntimo, sem a proteção das roupas.Afinal de contas, quem, ao se vestir de manhã, não pensa na imagem que quer passar para as pessoas que estão a sua volta? Quem nunca se desesperou ao não encontrar um traje que embalasse bem as emoções daquele momento?Sim, as roupas têm esse poder de traduzir as chamadas personas que carregamos dentro de nós, como detalha a psicóloga Angelita Scárdua Viana, especialista em neurociências. “Elas nos localizam socialmente, são como máscaras que expressam quem somos em determinado momento”.Quando queremos ser formais, vestimos terninho. Para transmitir bom-humor, misturamos cores. “Se estamos felizes, usamos decotes, roupas mais abertas ao mundo”, acrescenta a pesquisadora do Observatório de Consumo Aline Monçores, estudiosa das relações de moda e antropologia, que completa: “Roupas são palavras não lidas labialmente, que infectam o cérebro de quem nos observa em poucos segundos”.Por isso mesmo, quando estamos nus ficamos frágeis e vulneráveis. “Temos menos condições de nos disfarçar”, explica a psicóloga Angelita Scárdua. Afinal, as roupas funcionam também como armaduras.Além de expressar nosso interior, nossa 'embalagem' nos protege, moralmente, dos olhares alheios. Por isso, o impacto é tão grande quando alguém posa nu. “Temos curiosidade em ver, como se a nudez fosse revelar quem cada um é, como se pudéssemos descobrir e olhar por dentro da pessoa”, avalia Angelita.Há, ainda, outro aspecto: a nudez, além de nos fragilizar, expõe nosso desenho físico, que pode não passar no filtro dos padrões estéticos engessados pela mídia. “Essa cultura de padrões nos aprisiona dentro das roupas. A moda, hoje, está bem mais maleável, mas ainda é ranzinza ao expor modelos muito magras. O corpo passou a ser uma prisão”, avalia Angelita.Nunca estamos no peso certo. Por isso, sempre dizemos não ao espelho. Principalmente nessa época em que encaramos a seminudez na praia. O problema é que, assim, nos aprisionamos dentro de casa e deixamos de aproveitar os momentos extremamente prazerosos sob o sol. “Acabamos entendendo o corpo como o todo que somos, e isso não é verdade”. Angelita diz isso citando as diversas qualidades escondidas em outros ângulos, mas mal compreendidas por um mundo cada vez mais visual. “O corpo deve ser um elemento de expressão de identidade, e não uma prisão. Importante é seguir seu próprio estilo. Assim, você permite que cada persona que guarda em si expresse sua essência a cada dia”, observa. Então, dispa-se dos tabus e das velhas idéias que teima em carregar e vista-se de novas inspirações e principalmente de liberdade. Afinal, como bem disse Shakespeare: “O homem é feito do tecido de que são feitos seus sonhos”.

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"Estar nu é saber qual é sua própria expressão no mundo. Por isso, foi um grande desafio participar dessa matéria, porque se despir fisicamente é se expor. Mas antes de me despir fisicamente para as fotos eu tive que me despir por dentro, de preconceitos, do julgamento do outro e do meu julgamento contra mim mesma. É como diz o livro “Tirando os Sapatos”, do rabino Nilton Bonder: nós nos amoldamos aos sapatos e eles representam o que está amoldado a nosso pé. Como se nos conformássemos a padrões e comportamentos que se tornam o nosso sapato. E diz : “O sapato representa a proteção indispensável entre o ser e o seu meio”. Com ele, nos poupamos, nos precavemos do que é mais importante, o contato com o chão, com a terra. Isso ocorre porque o contato com a terra nos coloca em risco, nos torna vulneráveis. Nosso pé pode se machucar, algum bicho pode nos picar e os sapatos, de certa forma, nos protegem. Com os pés descalços, ao contrário, não há moldes, nem proteção: “O chão é o pavimento da vida e ele não se ajusta à nossa pisada”, diz o rabino. Da mesma forma que nus nós não nos disfarçamos. Ficamos vulneráveis, como estamos todos nós, convidados a participar dessa matéria. Por quê? Bom, o motivo de cada um pode ser diferente, mas se coincide em algum ponto: a ruptura com o sapato, que aperta o pé e machuca o calo. Ou simplesmente para romper com a comodidade, que muitas vezes toma conta de todos nós e aconteceu comigo num importante encontro de yoga que fui. Todos já haviam entrado no salão, quando o responsável pelo encontro disse que havia esquecido de pedir que todos deixassem seus sapatos fora da sala. Eu estava tão bem acomodada que quase coloquei meus chinelos dentro da bolsa. Por fim, decidi sair e colocá-los lá fora. Só quando voltei percebi o real significado dessa prática. Entendi que esse simples ato de deixar o calçado na rua e entrar com os pés nus, significava que ali, naquele lugar, não havia nenhum papel social a cumprir. E eu, que num ato falho quase coloquei os papéis sociais que cumpro bem ali, pertinho, dentro da bolsa, tomei um soco na boca do estômago.”
Flávia Dalla Bernardina, 29 anos, advogada e professora de ioga

"A nudez mostra a transparência da minha vida. A pureza ou a ausência de maldade. Levando a vida assim não há medo de enfrentar nada. É isso que quero passar para minha filha”
Joelma Perandré, 36, jogadora de vôlei e professora, e a filha Júlhia Perandré Medeiros, 2 anos e 4 meses

"Gosto do meu corpo e sou bem resolvido com o meu nu. Quando estou sem roupas, vestindo apenas a capa que Deus me deu, me sinto mais conectado com o meio, com um estilo único. Gosto da idéia de ter o corpo e a mente no ponto, e consigo visualizar isso com mais facilidade quando estou nu"
Renan Cavalcante, 26, modelo e designer de produtos

Matéria publicada na Revista.AG, Jornal A Gazeta, Vitória - primeira edição do ano (04/01/2009)