terça-feira, 21 de julho de 2009

Dê sua resposta à vida

Apatia: há algo errado dentro de você

Carol Scolforo


Sangue de barata, inexpressividade, inércia mórbida e falta de vontade de sentir a vida pulsar. Some todos esses ingredientes, cozinhe em banho maria e pronto. Está aí um apático dos bons. Ou melhor, dos ruins: o comportamento não expressa nem tristeza, nem alegria. Se trata, na verdade, de uma anestesia perante a vida.
Na verdade, é preciso recorrer ao latim para entender o que a apatia realmente provoca: o termo deriva de pathos, que significa algo que apaixona, que toca, que liga, que afeta. Só que seu sufixo indica o contrário disso tudo. ‘É como se houvesse um descompasso entre o que a pessoa vive, e o que ela pode viver’, resume a psicóloga Angelita Corrêa Scárdua.
A morna sensação se instala e pode até imobilizar a rotina. E é aí que mora o problema: como a apatia anula nosso poder de sentir, de transformar, de criar, é fácil mente confundida com preguiça. ‘Mas não é, nem de longe, a mesma coisa’,conclui Angelita. Isso porque o preguiçoso ainda faz as coisas, mesmo que seja nos minutos finais do prazo. Já o apático pensa que nada do que fizer vai mudar seu destino. Fica imerso nos lemas ‘tanto faz’, ‘fazer o quê?’… uma leseira sem fim.
É bom lembrar, no entanto, que apatia e preguiça variam da mesma improdutividade. E não levam ninguém a lugar algum. Moral da história: dormência emocional, o que não faz bem à ninguém.
MOTIVOS
Entre as várias causas, podemos dizer que o problema vem de quando vemos pouco resultado em lutar por alguma coisa. Assim, acionamos o mecanismo de cruzar os braços, como se pudéssemos evitar essas frustrações.
A esse ponto, você deve estar aí se perguntando se a sua indiferença em relação à camada de ozônio pode ser a patologia de que se trata essa matéria. Pois saiba que são duas coisas bem distintas. A apatia patológica acontece quando você se sente inerte a todas as esferas da sua vida – tanto num plano mais social quanto no mais íntimo.

‘Fiquei três anos na inércia’
‘Estava tudo bem comigo. Tinha namorado, estava na faculdade, tudo era bem confortável. Mas passava o dia todo no sofá. Sem vontade de levantar para nada. Já passei por depressão, e não era a mesma coisa. Fiquei assim por uns três anos, nessa inércia. Parecia que eu apenas assistia a uma peça, não fazia parte dela. Só que o palco era da minha própria vida. Por mais que pensem que era preguiça, sei que não era. Eu realmente não tinha via objetivo nenhum em fazer qualquer coisa. Na preguiça, a pessoa até faz as coisas, por mais que prorrogue ao máximo.Sabe quando nem vontade de rir você tem? Na apatia você pensa: ‘Pra quê fazer isso?’ E foi o que me levou a procurar ajuda, por conta própria.Ainda não acho que saí completamente disso. Mas o que me ajudou muito a sair do sofá foi uma viagem que fiz a Aracaju, sozinha. Foi muito ousado para mim, que em outras épocas nunca viajaria só. Foi um grande passo não ter ninguém para me puxar pela mão. E é muito melhor tomar atitudes por mim mesma. Isso me fez mais capaz de sentir as coisas.Acho que era isso que eu precisava para deixar a apatia. Mas hoje, só de ter olhado mais pra mim mesma nessa viagem e de ter saído do sofá já me sinto muito melhor!’Juliana Cardinali, 23, estudante de design de interiores.

Ele faz tudo com muita emoção
Conversar com o motociclista Ronaldo Batista é uma agulhada na bola murcha que costumamos encher de apatia. Ele vivencia cada um de seus dias com muita emoção. Cheio de expressividade, fala das vitórias que já saboreou. ‘Ganhei algumas coisas na Justiça, mas é só porque fui atrás.Não deixo passar mesmo! A vida me ensinou assim’. Ele não luta por que tem tempo livre de ir ao Procon – onde é líder de reclamações. Se reclama de R$ 0,10 centavos, é porque se sentiu lesado e não se conforma em cruzar os braços e dizer ‘não vai dar em nada mesmo…’
Sua perda mais recente, no entanto, faria qualquer um desanimar de tudo.Por falta de suporte técnico, um funcionário deletou mais de 15 mil cadastros de rua e 8 mil fichas de clientes, indispensáveis ao seu trabalho com telemensagens. Assim como ele, mais duas pessoas foram lesadas. Adivinhe se elas foram atrás dos prejuízos? ‘Elas acharam que não ia dar em nada e me aconselharam a deixar pra lá. Eu fiquei 3 dias sem comer por isso! Imagina se deixaria?!’

O que leva alguém à apatia?
Pela descrição do apático, ele parece estar bem distante de você, não é? Mas embora seja difícil admitir, a psicóloga Angelita Scárdua diz que o problema pode atingir qualquer um e é simples de ser identificado. ‘O apático até reconhece a importância das experiências afetivas, mas realmente não consegue sentir nada. E, se sente, não tem a motivação intrínseca necessária para enfrentar a experiência’.
Já no aspecto físico, a apatia provoca desgaste físico, enfraquecimento dos músculos e falta de energia. Embora possa ser um estágio leve da depressão, estar apático não significa necessariamente estar deprimido.
A realidade é que a apatia pode ser bem normal em algumas fases da vida. Superar a morte de alguém, por exemplo, pode gerar uma postura apática por um período. Seguem o mesmo rumo pessoas que se frustram como fim de um casamento, filhos que se sentem impotentes diante do divórcio dos pais, ou um aluno que não passa em um certo teste diversas vezes. ‘São situações comuns que podem gerar esse quadro, desde que sejam desestabilizadoras e pareçam insuperáveis’, conclui a psicóloga Angelita Scárdua.
Mas ela não ataca não só nesses furacões. Pode vir também do estresse rotineiro aliado a uma privação afetiva. ‘Há duas formas de lidar com a falta de uma base emocional: uma é a ansiedade, a outra é a apatia’.

Se envolver em projetos ajuda a sair da apatia
Para cortar os tentáculos imobilizantes dessa falta de emoções, não há outro caminho a não ser enfrentar o problema. Nessa busca, como diz a psicóloga Angelita Scárdua, um psicoterapeuta pode ajudar a entender o contexto em que ela se criou, avaliando as emoções e situações que estão sendo negligenciadas.
Depois de saber o que provoca essa letargia, é preciso mesmo afiar as garras e partir para cima dela. ‘O remédio para a apatia é encarar o medo. Para isso é importante fortalecer a auto-confiança e resgatar a capacidade de lidar com os desafios’, orienta Angelita.
Além de investir nas emoções, é bom também se dedicar a atividades que equilibrem a energia e a vitalidade do corpo. ‘Algo lúdico como a dança, a arte, o investimento num sonho profissional, uma conquista pessoal podem ajudar a superar o problema’.
Nessa hora, se inserir em um contexto mais coletivo também pode aumentar nossa disposição de agir. E é por isso que as Ongs tiveram uma multiplicação efervescente, nos últimos anos: ver alguém com a mesma luta que a sua pode fazer as coisas ganharem um novo sentido. Quer um empurrão maior? Estabeleça um prazo para botar um projeto em prática.Pode ser o pontapé que faltava para você pular da cama e partir para a luta.

Jornal A Gazeta – Caderno Leve A Vida (13/04/2008)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Vista-se de essência

Quem está por trás das suas roupas? Quem é você despido de regras, preconceitos e julgamentos? Fizemos essa pergunta para dez pessoas

Carol Scolforo ascolforo@redegazeta.com.br

Nudez é filosofia pura. Ousadia primitiva que instiga e afronta, fragiliza e expõe nossos mistérios. Por isso, talvez, você tenha ficado chocado ou curioso e tenha – antes mesmo de ler uma linha dessa matéria – folheado as páginas a seguir para conhecer nossos personagens como vieram ao mundo.Matada a curiosidade, é hora de saber por que resolvemos despir dez pessoas. Ao contrário do que você pode estar pensando, o objetivo não é chocar ou apenas fazer algo diferente. A idéia – bem ousada, reconhecemos – é incitar você a se despir de todas as velhas idéias para começar o ano de alma nova. E para essa faxina interna, é preciso imersão. Só conhecendo profundamente quem somos quando conseguimos nos livrar de preconceitos que, muitas vezes, nem são nossos, mas vão criando raízes profundas. Por isso, este não é um ensaio de nudez gratuito. Ninguém aqui quer exibir formas perfeitas ou abdome definido. Queremos apenas mostrar as pessoas como elas realmente são, em sua plena liberdade, para incentivar você também a se libertar de padrões físicos e morais que nunca fizeram parte da sua essência.Não é nada fácil, é verdade. Tirar as roupas sob flashes e estar sujeito às críticas do mundo não é pra qualquer um. Mas foi o que fizeram nossos personagens, que também revelaram quem realmente são, bem lá no íntimo, sem a proteção das roupas.Afinal de contas, quem, ao se vestir de manhã, não pensa na imagem que quer passar para as pessoas que estão a sua volta? Quem nunca se desesperou ao não encontrar um traje que embalasse bem as emoções daquele momento?Sim, as roupas têm esse poder de traduzir as chamadas personas que carregamos dentro de nós, como detalha a psicóloga Angelita Scárdua Viana, especialista em neurociências. “Elas nos localizam socialmente, são como máscaras que expressam quem somos em determinado momento”.Quando queremos ser formais, vestimos terninho. Para transmitir bom-humor, misturamos cores. “Se estamos felizes, usamos decotes, roupas mais abertas ao mundo”, acrescenta a pesquisadora do Observatório de Consumo Aline Monçores, estudiosa das relações de moda e antropologia, que completa: “Roupas são palavras não lidas labialmente, que infectam o cérebro de quem nos observa em poucos segundos”.Por isso mesmo, quando estamos nus ficamos frágeis e vulneráveis. “Temos menos condições de nos disfarçar”, explica a psicóloga Angelita Scárdua. Afinal, as roupas funcionam também como armaduras.Além de expressar nosso interior, nossa 'embalagem' nos protege, moralmente, dos olhares alheios. Por isso, o impacto é tão grande quando alguém posa nu. “Temos curiosidade em ver, como se a nudez fosse revelar quem cada um é, como se pudéssemos descobrir e olhar por dentro da pessoa”, avalia Angelita.Há, ainda, outro aspecto: a nudez, além de nos fragilizar, expõe nosso desenho físico, que pode não passar no filtro dos padrões estéticos engessados pela mídia. “Essa cultura de padrões nos aprisiona dentro das roupas. A moda, hoje, está bem mais maleável, mas ainda é ranzinza ao expor modelos muito magras. O corpo passou a ser uma prisão”, avalia Angelita.Nunca estamos no peso certo. Por isso, sempre dizemos não ao espelho. Principalmente nessa época em que encaramos a seminudez na praia. O problema é que, assim, nos aprisionamos dentro de casa e deixamos de aproveitar os momentos extremamente prazerosos sob o sol. “Acabamos entendendo o corpo como o todo que somos, e isso não é verdade”. Angelita diz isso citando as diversas qualidades escondidas em outros ângulos, mas mal compreendidas por um mundo cada vez mais visual. “O corpo deve ser um elemento de expressão de identidade, e não uma prisão. Importante é seguir seu próprio estilo. Assim, você permite que cada persona que guarda em si expresse sua essência a cada dia”, observa. Então, dispa-se dos tabus e das velhas idéias que teima em carregar e vista-se de novas inspirações e principalmente de liberdade. Afinal, como bem disse Shakespeare: “O homem é feito do tecido de que são feitos seus sonhos”.

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"Estar nu é saber qual é sua própria expressão no mundo. Por isso, foi um grande desafio participar dessa matéria, porque se despir fisicamente é se expor. Mas antes de me despir fisicamente para as fotos eu tive que me despir por dentro, de preconceitos, do julgamento do outro e do meu julgamento contra mim mesma. É como diz o livro “Tirando os Sapatos”, do rabino Nilton Bonder: nós nos amoldamos aos sapatos e eles representam o que está amoldado a nosso pé. Como se nos conformássemos a padrões e comportamentos que se tornam o nosso sapato. E diz : “O sapato representa a proteção indispensável entre o ser e o seu meio”. Com ele, nos poupamos, nos precavemos do que é mais importante, o contato com o chão, com a terra. Isso ocorre porque o contato com a terra nos coloca em risco, nos torna vulneráveis. Nosso pé pode se machucar, algum bicho pode nos picar e os sapatos, de certa forma, nos protegem. Com os pés descalços, ao contrário, não há moldes, nem proteção: “O chão é o pavimento da vida e ele não se ajusta à nossa pisada”, diz o rabino. Da mesma forma que nus nós não nos disfarçamos. Ficamos vulneráveis, como estamos todos nós, convidados a participar dessa matéria. Por quê? Bom, o motivo de cada um pode ser diferente, mas se coincide em algum ponto: a ruptura com o sapato, que aperta o pé e machuca o calo. Ou simplesmente para romper com a comodidade, que muitas vezes toma conta de todos nós e aconteceu comigo num importante encontro de yoga que fui. Todos já haviam entrado no salão, quando o responsável pelo encontro disse que havia esquecido de pedir que todos deixassem seus sapatos fora da sala. Eu estava tão bem acomodada que quase coloquei meus chinelos dentro da bolsa. Por fim, decidi sair e colocá-los lá fora. Só quando voltei percebi o real significado dessa prática. Entendi que esse simples ato de deixar o calçado na rua e entrar com os pés nus, significava que ali, naquele lugar, não havia nenhum papel social a cumprir. E eu, que num ato falho quase coloquei os papéis sociais que cumpro bem ali, pertinho, dentro da bolsa, tomei um soco na boca do estômago.”
Flávia Dalla Bernardina, 29 anos, advogada e professora de ioga

"A nudez mostra a transparência da minha vida. A pureza ou a ausência de maldade. Levando a vida assim não há medo de enfrentar nada. É isso que quero passar para minha filha”
Joelma Perandré, 36, jogadora de vôlei e professora, e a filha Júlhia Perandré Medeiros, 2 anos e 4 meses

"Gosto do meu corpo e sou bem resolvido com o meu nu. Quando estou sem roupas, vestindo apenas a capa que Deus me deu, me sinto mais conectado com o meio, com um estilo único. Gosto da idéia de ter o corpo e a mente no ponto, e consigo visualizar isso com mais facilidade quando estou nu"
Renan Cavalcante, 26, modelo e designer de produtos

Matéria publicada na Revista.AG, Jornal A Gazeta, Vitória - primeira edição do ano (04/01/2009)