quinta-feira, 9 de julho de 2009

Vista-se de essência

Quem está por trás das suas roupas? Quem é você despido de regras, preconceitos e julgamentos? Fizemos essa pergunta para dez pessoas

Carol Scolforo ascolforo@redegazeta.com.br

Nudez é filosofia pura. Ousadia primitiva que instiga e afronta, fragiliza e expõe nossos mistérios. Por isso, talvez, você tenha ficado chocado ou curioso e tenha – antes mesmo de ler uma linha dessa matéria – folheado as páginas a seguir para conhecer nossos personagens como vieram ao mundo.Matada a curiosidade, é hora de saber por que resolvemos despir dez pessoas. Ao contrário do que você pode estar pensando, o objetivo não é chocar ou apenas fazer algo diferente. A idéia – bem ousada, reconhecemos – é incitar você a se despir de todas as velhas idéias para começar o ano de alma nova. E para essa faxina interna, é preciso imersão. Só conhecendo profundamente quem somos quando conseguimos nos livrar de preconceitos que, muitas vezes, nem são nossos, mas vão criando raízes profundas. Por isso, este não é um ensaio de nudez gratuito. Ninguém aqui quer exibir formas perfeitas ou abdome definido. Queremos apenas mostrar as pessoas como elas realmente são, em sua plena liberdade, para incentivar você também a se libertar de padrões físicos e morais que nunca fizeram parte da sua essência.Não é nada fácil, é verdade. Tirar as roupas sob flashes e estar sujeito às críticas do mundo não é pra qualquer um. Mas foi o que fizeram nossos personagens, que também revelaram quem realmente são, bem lá no íntimo, sem a proteção das roupas.Afinal de contas, quem, ao se vestir de manhã, não pensa na imagem que quer passar para as pessoas que estão a sua volta? Quem nunca se desesperou ao não encontrar um traje que embalasse bem as emoções daquele momento?Sim, as roupas têm esse poder de traduzir as chamadas personas que carregamos dentro de nós, como detalha a psicóloga Angelita Scárdua Viana, especialista em neurociências. “Elas nos localizam socialmente, são como máscaras que expressam quem somos em determinado momento”.Quando queremos ser formais, vestimos terninho. Para transmitir bom-humor, misturamos cores. “Se estamos felizes, usamos decotes, roupas mais abertas ao mundo”, acrescenta a pesquisadora do Observatório de Consumo Aline Monçores, estudiosa das relações de moda e antropologia, que completa: “Roupas são palavras não lidas labialmente, que infectam o cérebro de quem nos observa em poucos segundos”.Por isso mesmo, quando estamos nus ficamos frágeis e vulneráveis. “Temos menos condições de nos disfarçar”, explica a psicóloga Angelita Scárdua. Afinal, as roupas funcionam também como armaduras.Além de expressar nosso interior, nossa 'embalagem' nos protege, moralmente, dos olhares alheios. Por isso, o impacto é tão grande quando alguém posa nu. “Temos curiosidade em ver, como se a nudez fosse revelar quem cada um é, como se pudéssemos descobrir e olhar por dentro da pessoa”, avalia Angelita.Há, ainda, outro aspecto: a nudez, além de nos fragilizar, expõe nosso desenho físico, que pode não passar no filtro dos padrões estéticos engessados pela mídia. “Essa cultura de padrões nos aprisiona dentro das roupas. A moda, hoje, está bem mais maleável, mas ainda é ranzinza ao expor modelos muito magras. O corpo passou a ser uma prisão”, avalia Angelita.Nunca estamos no peso certo. Por isso, sempre dizemos não ao espelho. Principalmente nessa época em que encaramos a seminudez na praia. O problema é que, assim, nos aprisionamos dentro de casa e deixamos de aproveitar os momentos extremamente prazerosos sob o sol. “Acabamos entendendo o corpo como o todo que somos, e isso não é verdade”. Angelita diz isso citando as diversas qualidades escondidas em outros ângulos, mas mal compreendidas por um mundo cada vez mais visual. “O corpo deve ser um elemento de expressão de identidade, e não uma prisão. Importante é seguir seu próprio estilo. Assim, você permite que cada persona que guarda em si expresse sua essência a cada dia”, observa. Então, dispa-se dos tabus e das velhas idéias que teima em carregar e vista-se de novas inspirações e principalmente de liberdade. Afinal, como bem disse Shakespeare: “O homem é feito do tecido de que são feitos seus sonhos”.

--
"Estar nu é saber qual é sua própria expressão no mundo. Por isso, foi um grande desafio participar dessa matéria, porque se despir fisicamente é se expor. Mas antes de me despir fisicamente para as fotos eu tive que me despir por dentro, de preconceitos, do julgamento do outro e do meu julgamento contra mim mesma. É como diz o livro “Tirando os Sapatos”, do rabino Nilton Bonder: nós nos amoldamos aos sapatos e eles representam o que está amoldado a nosso pé. Como se nos conformássemos a padrões e comportamentos que se tornam o nosso sapato. E diz : “O sapato representa a proteção indispensável entre o ser e o seu meio”. Com ele, nos poupamos, nos precavemos do que é mais importante, o contato com o chão, com a terra. Isso ocorre porque o contato com a terra nos coloca em risco, nos torna vulneráveis. Nosso pé pode se machucar, algum bicho pode nos picar e os sapatos, de certa forma, nos protegem. Com os pés descalços, ao contrário, não há moldes, nem proteção: “O chão é o pavimento da vida e ele não se ajusta à nossa pisada”, diz o rabino. Da mesma forma que nus nós não nos disfarçamos. Ficamos vulneráveis, como estamos todos nós, convidados a participar dessa matéria. Por quê? Bom, o motivo de cada um pode ser diferente, mas se coincide em algum ponto: a ruptura com o sapato, que aperta o pé e machuca o calo. Ou simplesmente para romper com a comodidade, que muitas vezes toma conta de todos nós e aconteceu comigo num importante encontro de yoga que fui. Todos já haviam entrado no salão, quando o responsável pelo encontro disse que havia esquecido de pedir que todos deixassem seus sapatos fora da sala. Eu estava tão bem acomodada que quase coloquei meus chinelos dentro da bolsa. Por fim, decidi sair e colocá-los lá fora. Só quando voltei percebi o real significado dessa prática. Entendi que esse simples ato de deixar o calçado na rua e entrar com os pés nus, significava que ali, naquele lugar, não havia nenhum papel social a cumprir. E eu, que num ato falho quase coloquei os papéis sociais que cumpro bem ali, pertinho, dentro da bolsa, tomei um soco na boca do estômago.”
Flávia Dalla Bernardina, 29 anos, advogada e professora de ioga

"A nudez mostra a transparência da minha vida. A pureza ou a ausência de maldade. Levando a vida assim não há medo de enfrentar nada. É isso que quero passar para minha filha”
Joelma Perandré, 36, jogadora de vôlei e professora, e a filha Júlhia Perandré Medeiros, 2 anos e 4 meses

"Gosto do meu corpo e sou bem resolvido com o meu nu. Quando estou sem roupas, vestindo apenas a capa que Deus me deu, me sinto mais conectado com o meio, com um estilo único. Gosto da idéia de ter o corpo e a mente no ponto, e consigo visualizar isso com mais facilidade quando estou nu"
Renan Cavalcante, 26, modelo e designer de produtos

Matéria publicada na Revista.AG, Jornal A Gazeta, Vitória - primeira edição do ano (04/01/2009)

Nenhum comentário: